A RELAÇÃO MULHER-HOMEM ENTRE A CRIAÇÃO E A REDENÇÃO.

30 de novembro de 2023

O apóstolo Paulo: teologia e prática da inclusão nas primeiras comunidades cristãs

Pr. Dr. Gerson J. Fischer

Como você reagiria se eu aqui afirmar que o apóstolo Paulo foi o principal defensor, depois de Jesus, da inclusão das mulheres de modo ativo nas comunidades cristãs que foram sendo fundadas em seu tempo? Seria de estranhamento, creio. Entretanto, afirmo: esta é hoje a minha convicção. Lamentavelmente, poucas figuras de destaque na história foram tão menosprezadas como ele, quando o assunto é a dignidade e o lugar das mulheres nos diferentes contextos sociais. Seus textos que recomendam sua submissão aos maridos provocam horror ao nosso modo contemporâneo de pensar; não os compreendemos.

Não é o meu objetivo aqui entrar em defesa do conteúdo de tais textos bíblicos, que se tornaram objeto de grandes controvérsias. O nosso alvo é, ao menos em determinado sentido, mais modesto. Quero demonstrar que o apóstolo Paulo trabalhou pela inclusão das mulheres nas primeiras comunidades cristãs por ele fundadas; tal contribuindo positivamente para a reestruturação das relações entre homens e mulheres em variados lugares, até os dias de hoje. Nessas igrejas elas aparecem como parceiras, ao lado dos homens. E, para caracterizar este espírito de cooperação mútua, Paulo propunha uma linguagem integrativa que relativizava a importância demasiada que se dava às diferenças entre os sexos.

A exemplo de outros escritores do Novo Testamento, também este apóstolo fazia uso de textos do Antigo Testamento para embasar seus escritos. De um modo ou de outro, a intenção sempre fora indicar que os antigos relatos bíblicos apontavam profeticamente para a boa nova, o evangelho de Jesus Cristo. Para Paulo, o Antigo Testamento constituía-se Palavra de Deus. O que chama a atenção, no entanto, é que ele o citava com liberdade; não se preocupava tanto com a repetição literal de seu conteúdo, preservando apenas o seu testemunho. Em uma destas ocasiões fez questão de destacar, com autonomia e linguagem inovadora, a participação das mulheres no propósito divino de redenção da humanidade.

A ocasião a que me refiro foi quando o apóstolo fez uso, em sua segunda carta aos Coríntios, da passagem bíblica de 2 Samuel 7.14: “Eu serei seu pai, e ele será meu filho.” O livre e surpreendente aproveitamento que ele fez do texto consistiu em incluir as mulheres no rol dos que Deus chama para serem seus filhos: “…e lhes serei Pai, e vocês serão meus filhos e minhas filhas.” (2 Coríntios 6.18). Paulo propôs em forma de linguagem inclusiva o reconhecimento de que Deus, ao modo amoroso que criou mulher e homem à sua imagem e semelhança (Gênesis 1.27), também deseja que estes, enquanto tais, sejam parte de seu povo, isto é, seus filhos e suas filhas. Não se trata aqui, tanto e primeiramente, de um uso de palavras que tivesse por intenção impactar psicológica e socialmente as relações entre homens e mulheres; a ideia passada, assim parece, é o reconhecimento que estes são parceiros na criação e na redenção; são imagem de Deus e são pecadores perdoados e redimidos em Cristo em sua condição de homens e mulheres.

É pouco o que aqui discutimos para mudar a imagem negativa que fazemos do apóstolo quando o tema são as mulheres? Não, de modo algum. Vejamos o que mais ele diz: “No Senhor, todavia, a mulher não é independente do homem, nem o homem independente da mulher.” (1 Coríntios 11.11). E mais: “Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus.” (Gálatas 3.28). Mais claro impossível!

O modelo básico das relações mulher-homem no Novo Testamento é o da cooperação mútua, seja no matrimônio, como no contexto das comunidades cristãs. Parceria significa colaboração competente em respeito mútuo e difere de determinação alheia, tutela paternalista, dependência e restrição do desenvolvimento de potencialidades. A preocupação primária de Paulo, que se reflete também nas outras páginas deste testamento, não foi o de aceitar ou modificar as divisões clássicas dos diversos papéis exercidos por estes sexos, antes, a de promover entre os mesmos e de modo visível a reconciliação, a libertação e o serviço em mútua consideração, tornada possível pela filiação divina em Cristo. Há muito a pensar e corrigir a respeito do tema aqui exposto, sem que necessitemos entrar em uma rota de colisão entre homens e mulheres e em desconstruções como as que vêm se tornando comuns em nossos dias.

Pr. Dr. Gerson J. Fischer